O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë

Capítulo 1 - UM FIDALGO RURAL
Ano de 1801
Era inverno e eu resolvera alugar uma casa em um lugar isolado da Inglaterra. Desejava passar um tempo em paz comigo mesmo, descansando e aproveitando a beleza natural daquela região maravilhosa. Acabara de chegar de uma visita ao meu SENHORIO, morador solitário da única residência próxima à minha. O nome
dele é Heathcliff e eu percebi, no momento em que encarei seus profundos olhos negros, que se tratava de um homem ainda mais reservado do que eu.
— Sou o sr. Lockwood, seu novo INQUILINO, senhor — disse eu, logo que entrei. — Espero que não tenha se aborrecido com minha insistência em alugar a Granja dos Tordos.
— A Granja dos Tordos me pertence. E saiba que não há ninguém no mundo que tenha a audácia de me aborrecer. Entre! — exclamou ele, em um tom arrogante, como se estivesse me xingando.
Mesmo não tendo sido muito bem recebido, resolvi aceitar o convite. O portão foi aberto e Heathcliff gritou a um criado, já de idade, que tinha cara de poucos amigos:
— Joseph, guarde o cavalo do sr. Lockwood. E traga uma garrafa de vinho.
O nome da casa de Heathcliff é Morro dos Ventos Uivantes. É um nome bastante adequado, pois ela fica no alto de uma colina, exposta a chuvas, trovoadas e ao terrível vento norte, que sopra naquele local com tanta fúria que inclina arbustos e até árvores altas no quintal. Por sorte é uma casa forte, com janelas estreitas e bem encaixadas nas paredes de pedra. Quando entrei, notei uma data e um nome gravados na fachada: 1500 — Hareton Earnshaw. A sala era ampla, com chão de pedra branca, uma lareira em chamas em um dos cantos, um APARADOR com pratos e jarros, um suporte para uma velha pistola na parede e móveis bem antigos. Embaixo do aparador havia uma PERDIGUEIRA rodeada de filhotinhos, além de outros cães maiores circulando livremente.
* SENHORIO: proprietário de um imóvel alugado.
 *INQUILINO: pessoa que mora ou trabalha em um imóvel alugado, locatário.
 *APARADOR: móvel de sala de jantar que serve para receber travessas com comida durante o almoço ou o jantar.
* PERDIGUEIRA: tipo de cão que caça perdizes.
A decoração, ao mesmo tempo elegante e descuidada, era tão contraditória quanto Heathcliff, um homem que se veste como nobre, mas que tem modos de um grosseirão. Com a pele morena como a de um cigano, Heathcliff me pareceu um fidalgo rural: elegante, porém desleixado. Como Joseph demorava a trazer o vinho, meu senhorio desceu à adega, deixando-me À MERCÊ dos cães. Tentei agradar-lhes, mas alguns mostraram os dentes e a perdigueira rosnou com força. Quando vários deles vieram em minha direção, gritei:
— Socorro! Os cães!
Uma mulher gorda, com a saia enrolada até a altura do joelho e o rosto vermelho veio me salvar, espantando meus agressores com uma frigideira. Heathcliff apareceu.
— O que está acontecendo? Meus cães só atacam pessoas que mexem nas coisas. São cães de guarda — disse, colocando uma garrafa de vinho sobre a mesa.
— O que o senhor quer dizer com isso? — perguntei, ofendido.
— Aceita um copo de vinho? — perguntou ele, com um sorriso sarcástico nos lábios.
— Não, obrigado.
— Não se irrite, sr. Lockwood. É que visitas não são comuns nessa casa. Meus cães e eu não sabemos como nos comportar. Um brinde à sua saúde.
Percebi que era bobagem me zangar por causa dos animais. Além disso, queria evitar gozações de meu senhorio. Conversamos um pouco e confesso que me distraí bastante. Ele era um homem inteligente. Na hora de me despedir, falei:
— Talvez eu possa voltar amanhã para mais uma conversa.
— Faça como quiser — disse ele, virando as costas e me deixando sozinho na porta de entrada.
Caminhei até a Granja dos Tordos pensando: “Como sou sociável, comparado a ele!” Na tarde seguinte, o tempo estava frio e com muitas nuvens. Eu pretendia ficar lendo em meus aposentos, mas a criada estava fazendo a faxina. Resolvi, então, caminhar quatro MILHAS até O Morro dos Ventos Uivantes. No caminho, flocos de neve começaram a descer do céu e a noite caiu cedo demais. Quando cheguei ao meu destino, o vento gelado quase trincou meus ossos. Bati palmas até os cães começarem a latir.
* À MERCÊ: entregue ao sabor, ao capricho de.
* MILHA: medida itinerária que equivale a 1.609 metros.
Joseph apareceu em uma janela, emburrado como sempre.
— O patrão está no curral e não há ninguém para abrir a porta — disse.
— Ninguém? — perguntei.
— Tem a senhora, mas esta não mexe um dedo para fazer nada.
— Por favor, Joseph, explique a ela quem eu sou.
— Não tenho nada a ver com isso — respondeu-me, fechando a janela.
Finalmente, apareceu um jovem sem casaco, com um ANCINHO no ombro. Ele abriu a cancela e me levou, sem dizer uma palavra, à sala onde eu tinha estado no dia anterior. A lareira aquecia o lugar e a mesa estava posta para o chá. Uma belíssima jovem de feições delicadas, ar de adolescente e cabelos loiros
bordava perto do fogo. Cumprimentei-a, mas ela não respondeu. Sentei-me em uma cadeira e tentei puxar conversa.
— A senhora pretende doar os filhotes da perdigueira? — perguntei.
— Não são meus — respondeu secamente.
Alguns minutos se passaram. O rapaz me observava como se eu fosse um inimigo perigoso. Eu não sabia se ele era criado da casa. Tinha a roupa desalinhada e suja, modos e linguagem rudes e as mãos machucadas como as de um lavrador. Quando Heathcliff entrou, não demonstrou satisfação em me ver. Olhou-me com desagrado, dizendo:
— Que diabos está fazendo fora de casa com esse tempo? Muitas pessoas já morreram congeladas, perdidas em noites como esta.
— Eu ia mesmo pedir-lhe um guia para me acompanhar de volta até em casa.
— Não há guias por aqui.
Mesmo sem ser convidado, sentei-me à mesa para tomar chá com eles. Tentando quebrar o silêncio, comentei:
— É encantadora sua esposa, sr. Heathcliff.
Ele deu uma gargalhada e falou:
— É minha nora. Não vê a diferença de idade entre nós?
— É claro, perdoe-me. Então o senhor deve ser o filho... — disse eu, dirigindo-me ao rapaz.
— Meu filho não é — interrompeu Heathcliff. — O marido dela está morto.
— Meu nome é Hareton Earnshaw — resmungou o rapaz.
Calei-me depois de tantas GAFES. Quando terminamos o chá, olhei pela janela e concluí que seria impossível chegar sozinho em casa.
* ANCINHO: ferramenta usada na agricultura, de cabo longo, com uma travessa dentada e usada para juntar palha ou folhas secas.
* GAFES: mancadas.
— Temo que precisarei passar a noite aqui, sr. Heathcliff — disse.
— Não tenho quarto de hóspedes — respondeu ele.
— Posso dormir no sofá.
— Não confio em estranhos dormindo na sala de minha casa.
Ofendido, tomei a lanterna que Joseph tinha na mão e saí porta afora. O velho criado reclamou e atiçou os cães contra mim. Dois monstros cheios de pêlos me derrubaram na neve, arrancando risadas de Heathcliff e Hareton. Os dois foram cuidar de seus afazeres e me deixaram caído. Eu teria ficado ali a noite toda, se Zillah, a criada que espantara os cães no dia anterior, não tivesse me levado para dentro, entregando-me um copo de bebida forte para aquecer. Depois disso, a boa mulher me conduziu até um aposento no andar de cima.
— Esconda a vela e não faça barulho — recomendou-me. — O patrão tem manias em relação a esse quarto. É quase um SANTUÁRIO para ele.
O cômodo era grande, com um enorme armário de madeira que se abria e abrigava uma cama dentro. Acima da cama ficava a janela, também dentro do armário, cujo peitoril servia de prateleira para vários livros. Coloquei o castiçal ali e percebi algumas inscrições feitas a faca na madeira: Catherine Heathcliff, Catherine Earnshaw, Catherine Linton. Abri alguns livros, entre eles uma bíblia que dizia “Pertence a Catherine Earnshaw”. Encontrei um diário da mesma Catherine. Uma das páginas dizia, com a letra desbotada:
“Queria que meu pai voltasse. Hindley é um péssimo substituto. Ele trata Heathcliff muito mal. Heathcliff e eu vamos nos rebelar”.
Lendo as outras páginas, conheci a tristeza das duas crianças depois da morte do pai, os maus-tratos do irmão Hindley e de sua mulher, Frances, sem falar nas horas rezando no sótão que eram obrigadas a passar, sob as ordens de Joseph. Aos poucos adormeci e tive um pesadelo estranho. Sonhei que estava no
cubículo de madeira e que havia algo batendo na janela. Eu olhava para fora e percebia que era um galho de árvore que se mexia com o vento. No momento seguinte, o galho se transformava nos braços de uma mulher com a pele muito ALVA, que batia no vidro insistentemente, pedindo:
— Por favor, deixe-me entrar, deixe-me entrar...
— Quem é você?
* SANTUÁRIO: lugar santo.
* ALVA: branca.
— Sou Catherine Linton e estou vagando por vinte anos — respondeu a mulher, quebrando a vidraça e agarrando meus braços.
Gotas de sangue saíram dos braços dela, cortados pelo vidro, e caíram sobre o lençol. Apavorado, gritei. Só acordei do sonho quando escutei passos dentro do quarto. Abri a porta do cubículo de madeira e vi Heathcliff com uma vela na mão. Ficou irritadíssimo ao me ver.
— O que significa isso? — gritou.
Contei-lhe sobre o sonho e sobre a leitura que fizera do diário. Ele empurrou-me para fora do quarto, mas pude ver através da fechadura que Heathcliff se sentou na cama e chorou, dizendo:
— Volte, Cathy. Venha até aqui de novo, meu amor!
Dormi na cozinha e, de manhã, caminhei até a Granja dos Tordos com o céu já limpo e o ar refrescante. Cheguei a tempo de tomar o café fresco feito pela criada.

Capítulo 2 - UM PRESETE DE DEUS

À noite, pedi à sra. Ellen Dean, minha governanta, que contasse a história de meus estranhos vizinhos. Ela me serviu um caldo quente, sentou-se próximo à mesa com um bordado nas mãos e começou:
“Conheço-os desde pequena, pois minha mãe trabalhou para os Earnshaws durante muito tempo. Ela foi AMA do sr. Hindley Earnshaw, pai de Hareton, rapaz de aparência rude que o senhor conheceu no Morro dos Ventos Uivantes. Eu ajudava minha mãe nos afazeres da casa. Certa manhã, o sr. Earnshaw, pai de
Hindley e de Cathy, foi até Liverpool e voltou dizendo que havia trazido um presente para a família. Todos se reuniram na sala, muito entusiasmados. Foi então que o sr. Earnshaw nos apresentou um menininho sujo e esfarrapado.
— Vejam, encontrei-o na rua passando fome e frio. Ele vai morar conosco. É um presente de Deus — disse o patrão.
— Não podemos simplesmente recolhê-lo. Ele deve ter família — disse a sra. Earnshaw.
— Já investiguei isso. Ele está sozinho no mundo, mas terá a nós agora. Seu nome será Heathcliff, em homenagem ao nosso PRIMOGÊNITO que morreu ao nascer.
* AMA: governanta, aia.
* PRIMOGÊNITO: primeiro filho.
Dito isso, mandou-me dar banho no garoto, vestir-lhe roupas limpas e alimentá-lo. Fiz tudo de acordo com as ordens de meu patrão, mas não gostei do menino, calado e com olhar desconfiado. Hindley o odiava, assim como a sra. Earnshaw, mas Cathy e ele logo se tornaram inseparáveis.
Heathcliff suportava os chutes e maus-tratos de Hindley sem reclamar, assim como os palavrões que escutava da dona da casa. O sr. Earnshaw, no entanto, gostava realmente do garoto e o protegia sempre que pegava alguém fazendo alguma maldade com ele. Eu mesma quase fui demitida por tê-lo beliscado. Passei a gostar de Heathcliff quando percebi que ele tinha duas qualidades raras: ânimo e persistência. No entanto, nunca pensei que ele fosse vingativo, como o senhor verá. De uma hora para outra, o sr. Earnshaw ficou doente. A enfermidade o deixava irritado com qualquer coisa, principalmente com as implicâncias contra Heathcliff, seu favorito. Seguindo os conselhos do padre, ele acabou mandando Hindley para um colégio longe dali.
O tempo que se seguiu, no entanto, não foi de muita paz. A sra. Earnshaw morreu poucos meses depois de o filho sair de casa. Depois disso, Joseph ficou mais próximo do patrão. Religioso FERVOROSO que era, passou a influenciá-lo com discursos bíblicos sobre pecados e maldições. Isso causava profunda angústia
no sr. Earnshaw, que descontava as aflições de sua doença em Cathy e Heathcliff. Os dois eram reprimidos por gostarem de estar juntos, o que deixava Cathy INDÓCIL.
Ela era uma menina brava, irrequieta e malcriada em suas respostas, mas ao mesmo tempo linda, com um sorriso magnífico que encantava a todos. Não era uma menina ruim. Gostava de ser livre, de correr pelas redondezas e sempre nos consolava quando estávamos tristes. Apenas não aceitava proibições. Alguns anos depois, o sr. Earnshaw cumpriu sua estada na Terra. A noite de sua morte foi triste, mas Joseph disse que não havia motivo para desespero.
— É um santo que está entrando no Céu — explicou.
Hindley veio para o funeral e trouxe junto com ele uma mulher, com quem tinha se casado sem avisar ninguém. Frances era jovem e bonita, mas tossia constantemente e sentia falta de ar ao subir as escadas. Quando viu as preparações para o funeral, disse que tinha medo de morrer. O jovem Hindley Earnshaw voltou diferente, muito mais TIRÂNICO do que antes. Logo que chegou, começou a dar ordens:
* FERVOROSO: dedicado, ativo, veemente.
* INDÓCIL: impaciente, irritada.
* TIRÂNICO: cruel, injusto, opressivo.
— Ellen e Joseph, a partir de hoje, vocês devem permanecer na cozinha, assim como Heathcliff. Por falar nele, quero que todos saibam que ele irá trabalhar na lavoura como os outros empregados e o padre só dará aulas a Cathy de agora em diante.
Heathcliff agüentou bem a situação durante um tempo, pois Cathy ensinava a ele tudo o que aprendia. Ela também ia ajudá-lo no trabalho ou os dois saíam para passear nos campos e no PÂNTANO durante a tarde. Cathy e Heathcliff recebiam castigos por andarem juntos, mas não se importavam. Juravam um ao outro que cresceriam livres como animais selvagens.
Certa tarde de domingo, Heathcliff e Cathy desapareceram e não voltaram para o chá. Hindley ordenou que eu fechasse todas as portas e os deixasse dormir na rua. Como chovia muito, tive pena e deixei a janela da cozinha aberta. De madrugada, vi a luz de uma lanterna se aproximar. Era Heathcliff.
— Onde está Cathy? — perguntei.
— Está na casa dos Lintons.
— Na Granja dos Tordos? Por quê?
— Cathy e eu resolvemos ir até lá espiar os Lintons. O sr. e a sra. Linton não estavam na sala, mas vimos, pela janela, Isabella e Edgar brigando feito dois irmãos bobos. Cathy riu e atraiu um enorme BULDOGUE, que mordeu seu tornozelo. Os moradores e criados acudiram e livraram Cathy dos dentes do cão. O sr.
Linton nos reconheceu. Disse que Hindley era um irmão desnaturado por deixar Cathy andar pelos campos à noite, pior ainda, na companhia do ENJEITADO que o sr. Earnshaw pegou das ruas de Liverpool.
— O que fizeram com ela? — perguntei.
— Levaram-na para dentro de casa e disseram para eu ir embora. Preocupado, fiquei um tempo escondido, espiando Cathy pela janela. Eles a trataram bem, lavaram seus pés e tornozelo, vestiram-na com roupas elegantes e deram-lhe um pedaço de bolo. Quando decidi partir, vi que ela estava completamente à vontade
na presença dos Lintons. Trocava até cochichos com Isabella Linton.
No dia seguinte, o sr. Linton foi até o Morro dos Ventos Uivantes. Hindley ficou furioso com o que lhe foi narrado e proibiu Heathcliff de chegar perto de Cathy. Se ousasse lhe falar, seria expulso. Ela ficaria na Granja dos Tordos até melhorar e, na volta, receberia os cuidados da jovem sra. Frances Earnshaw, sua cunhada”.
* PÂNTANO: área inundada por águas paradas.
* BULDOGUE: cão de origem inglesa.
* ENJEITADO: abandonado, rejeitado.

Capítulo 3 - UM AMOR FEITO ROCHA

“Cathy voltou para casa perto do Natal, após passar cinco semanas na Granja dos Tordos. Ela estava completamente mudada. Em vez da menina sapeca e desgrenhada a que estávamos acostumados, vimos descer de um potro negro uma moça bem vestida, de chapéu e com cachos impecavelmente penteados.
— Você está maravilhosa! — exclamou Hindley.
Cathy cumprimentou a todos com cuidado para não sujar a roupa e em seguida procurou Heathcliff com os olhos. Quando o viu, escondido atrás de um arbusto, correu para beijá-lo e abraçá-lo.
— Heathcliff, como você está sujo e desarrumado! — disse, às gargalhadas. — Devo estar mesmo acostumada com os Lintons.
Como ele continuava sério, ela perguntou:
— Já se esqueceu de mim, Heathcliff?
— É melhor que fique longe de mim — disse, corroído pelo RESSENTIMENTO. E saiu correndo, para a alegria de Hindley. Mais tarde, ele apareceu na cozinha. Tinha os olhos inchados de chorar. Chamando-me pelo apelido que as crianças costumavam usar quando se dirigiam a mim, pediu:
— Nelly, ajude-me a ser bom.
— Você é bom, Heathcliff, apenas não deve ser tão orgulhoso. Sabia que Cathy também chorou depois que você fugiu?
Ele ficou sério, disse que tinha ciúmes de Edgar Linton.
— Jamais terei seus olhos azuis, muito menos o dinheiro que ele herdará um dia — explicou-me.
— Ouça, Heathcliff, daqui a algumas noites será Natal e os Lintons farão a ceia conosco. Vou arrumá-lo tão bem que você será o rapaz mais bonito da casa. Os olhos azuis de Edgar ficarão OFUSCADOS diante da sua beleza.
Na noite de Natal, depois de preparar toda a comida a ser servida, vesti e penteei Heathcliff com todo o cuidado. No entanto, quando ele entrou na sala para cear com a família, Hindley lhe deu um empurrão.
— Vá para a cozinha! — ordenou.
Heathcliff não se mexeu. Foi então que Edgar zombou dele.
— Seu cabelo parece crina de cavalo! — exclamou, rindo.
* RESSENTIMENTO: mágoa.
* OFUSCADOS: encobertos, ocultos, apagados, sem brilho.
Humilhado, o pobre rapaz pegou uma tigela com calda quente de maçã e atirou contra o jovem Linton. Houve uma gritaria geral. Hindley arrastou Heathcliff até o andar de cima sob o AÇOITE de um chicote e trancou-o no sótão. Na sala, depois de muita confusão, Edgar limpou o rosto e todos se acalmaram para a ceia. Após o jantar, com o início do baile, ninguém notou Cathy saindo escondida para levar comida a Heathcliff através de uma CLARABÓIA no teto. Mais tarde, fui avisá-la de que os músicos já iam embora. Era melhor ela voltar ou dariam por sua falta. Quando finalmente o patrão me deu a chave do sótão, soltei
Heathcliff e levei-o comigo para a cozinha.
— Um dia vou me vingar de Hindley, Nelly — ele disse.
— Deus sempre castiga os que merecem — argumentei.
— Deus nunca teria o prazer que eu terei — insistiu ele."
A sra. Dean parou um instante de bordar e disse:
— Sr. Lockwood, acho que estou falando demais. O senhor deve estar cansado.
— Pelo contrário, sra. Dean, estou interessadíssimo. Por favor, continue.
— Nesse caso, vou contar o que houve a partir do verão de 1778, ou seja, quase vinte e três anos atrás.
— Não omita nenhum detalhe — pedi. Ela começou:
“Em junho, o filho de Hindley nasceu. Era um menino robusto, bonito, que recebeu o nome de Hareton. Mas a mãe, coitada, morreu logo depois do parto, para o desespero de Hindley. Meu patrão passou a levar uma vida desregrada.
Bebia, jogava, xingava a todos ao seu redor. Os empregados se foram, com exceção de Joseph e de mim, que tive pena do garoto. Hareton ficava sob os meus cuidados praticamente em tempo integral. Heathcliff, aos dezesseis anos, parecia deliciar-se com o sofrimento do patrão e Cathy, com quinze anos, na época, tornou-se uma menina rebelde e arrogante. Depois da temporada na Granja dos Tordos, ela continuou a relacionar-se com os Lintons. Conseguia transitar livremente pela cultura e sofisticação dos vizinhos
e ao mesmo tempo pela rudeza apaixonante de Heathcliff, que já havia desistido de manter o mesmo nível intelectual de Cathy. Certa tarde, Heathcliff entrou no quarto de Cathy satisfeito. Eu a ajudava a se vestir.
— Vamos passar a tarde juntos, Cathy? — convidou ele.
* AÇOITE: pancada, golpe.
* CLARABÓIA: abertura no teto, que permite a entrada da luz.
— Você não tem de trabalhar?
— Hindley foi para a cidade. Posso tirar a tarde livre.
Ela gaguejou e acabou confessando que Edgar Linton iria visitá-la. Heathcliff se revoltou e mostrou a ela um calendário com alguns poucos dias assinalados.
— Veja! — exclamou ele. — Veja como você passa pouco tempo comigo. O resto dos dias são só para aquele bando de PASPALHOS!
— Que absurdo! — gritou Cathy, irritada. — Não sou obrigada a ficar grudada em você. Além do mais, o que eu ganharia com isso? Sobre o que nós dois conversaríamos?
Heathcliff fugiu, ofendido, e cruzou com Edgar na porta de entrada, o que o deixou ainda mais revoltado. Quando Cathy viu o amigo entrar, notou claramente a diferença entre Heathcliff e ele. Era como se um fosse uma região deserta cheia de montanhas e o outro um terreno fértil e bonito. Fui para a cozinha cuidar
de meus deveres. Quando voltei para avisá-los de que o sr. Hindley Earnshaw chegara bêbado da cidade, notei que Edgar e Cathy tinham virado namorados. Escondi a espingarda de meu patrão, pois ele tinha mania de querer atirar quando bebia. Depois coloquei Hareton para dormir em meu quarto. O garoto morria de medo do pai. Estava cantando-lhe uma cantiga de ninar quando Cathy entrou dizendo:
— Nelly, podemos conversar?
Beijei a testa de Hareton e nós duas sentamo-nos na mesa da cozinha.
— Onde está Heathcliff? — perguntei.
— Acho que está trabalhando no ESTÁBULO — respondeu ela.
— Sobre o que quer conversar?
— Sobre Edgar. Ele me pediu em casamento e... eu... eu... aceitei o pedido.
— E você gosta dele?
— Sim, ele é bonito, alegre, rico e o principal é que ele me ama.
— Essas qualidades não bastam para que um casamento seja feliz, Cathy.
— Eu sei, mas vou me casar mesmo assim — disse ela, derramando uma lágrima.
— Então, por que está triste?
— Porque, no fundo do meu coração, sei que estou agindo errado. Se Hindley não tivesse rebaixado tanto Heathcliff, eu nem pensaria em me casar com Edgar. Mas, se eu me casasse com Heathcliff, estaria me rebaixando também, entende?
Nessa hora, escutei um barulho na porta, mas continuei a prestar atenção em Cathy.
* PASPALHOS: bobos, inúteis
* ESTÁBULO: lugar onde dorme o gado
Ela falou, com tom de choro:
— Heathcliff nunca saberá o quanto o amo, Nelly. Somos almas gêmeas, enquanto Edgar e eu quase nada temos em comum. Vou me casar com Edgar porque com seu dinheiro, poderei ajudar Heathcliff a se livrar de Hindley.
— Assim você e ele ficarão separados — tentei argumentar.
— Isso é impossível, Nelly, nada poderá separar Heathcliff e eu. Nós somos uma coisa só. Meu amor por Edgar Linton se parece com as folhas de uma árvore enquanto meu amor por Heathcliff lembra um rochedo. Eu sou Heathcliff, Nelly!
— Pois eu temo que ele tenha escutado parte de nossa conversa, Cathy. Ouvi um barulho na porta quando você disse que se rebaixaria casando-se com ele.
— Mas então...
— Ele não ouviu sua declaração de amor, Cathy.
Desesperada, Cathy correu para fora, mesmo com o tempo frio e chuvoso que fazia, e encontrou o portão da propriedade aberto. Era a prova de que Heathcliff havia fugido. Cathy chorou muito e passou semanas com uma gripe forte apanhada no relento. Não ouvimos mais falar de Heathcliff depois daquela noite. Cathy se casou com Edgar alguns meses depois e me pediu que viesse morar com ela na Granja dos Tordos. Foi muito triste me separar de Hareton. Apertei-o forte contra o peito na hora de ir embora, com medo de que ele se esquecesse de mim.”
Nesse ponto da história, a sra. Dean disse que estava cansada. Iria dormir e depois continuaria a narração. Também fui me deitar, embora tenha custado a pegar no sono.

Capítulo 4 - "EU TE PERDÔO"

Logo no café da manhã, pedi à sra. Dean que continuasse. Ela pegou um tricô, sentou-se à mesa e começou:
“Fiquei feliz ao ver Cathy convivendo bem com o marido e a cunhada na Granja dos Tordos. Ela era bastante atenciosa com os dois. Dez meses se passaram cheios de harmonia. Foi então que, certa noite, Heathcliff apareceu, sem mais nem menos, na porta da casa. Quase não o reconheci, estava mudado, mais alto e mais forte.
— Olá, Nelly — disse ele. — Você poderia ir chamar Cathy?
Cathy pulou no pescoço dele quando o viu, embora Edgar a tivesse re-preendido com o olhar. Fez o amigo entrar e disse ao marido que nunca deixaria de tratar bem seu companheiro de infância. Ficamos sabendo, para espanto geral, que Heathcliff estava hospedado no Morro dos Ventos Uivantes convidado pelo próprio Hindley. Mais tarde, Joseph me contou que ele dera dinheiro a Hindley para pagar dívidas de jogo. Ninguém
sabia nada sobre as atividades de Heathcliff no tempo em que estivera longe, mas o fato é que ele tinha ficado rico. Heathcliff passou a freqüentar a Granja dos Tordos. Edgar não gostava nem um pouco daquilo, ainda mais quando percebeu que sua irmã Isabella, uma jovem frágil e infantil de 18 anos, estava apaixonada por ele. Cathy e Isabella chegaram a discutir.
— Você está tentando me afastar de Heathcliff. Está com ciúmes! — disse Isabella à cunhada.
— Está louca? Heathcliff nunca amaria uma Linton. Gosto dele, é verdade, mas ele é um homem violento. Acabaria com você como se esmagasse um ovo nas mãos — revidou Cathy.
Certa tarde, Cathy contou a Heathcliff que Isabella o amava. Fez isso na frente da cunhada, deixando-a morta de vergonha. Assim que Isabella saiu da sala, cobrindo o rosto corado, Heathcliff disse:
— Eu não poderia amar uma mulher tão “sem sal”. Parece uma boneca de cera.
Depois pensou melhor e perguntou:
— Ela é herdeira do irmão, não é?
— Espere aí, todos esses bens também são meus! — protestou Cathy.
— Mesmo que um dia sejam meus, serão seus da mesma forma — disse ele.
Não gostei do sorriso que Heathcliff tinha nos lábios quando saiu da Granja dos Tordos. Fiquei sabendo por Joseph que Hindley e ele viviam bebendo e jogando no Morro dos Ventos Uivantes e que o pouco dinheiro que restava a Hindley estava passando às mãos de Heathcliff. Certa manhã, Cathy pegou Heathcliff beijando Isabella no jardim. Saiu enfurecida para tirar satisfações.
— Saia daqui! — ordenou Heathcliff. — Posso beijá-la o quanto eu quiser. Você, seu marido, seu irmão, vocês todos me perseguiram. Agora vou me vingar de todos.
— Seu INGRATO! — gritou Cathy.
* INGRATO: aquele que não agradece ou reconhece as coisas boas que recebeu.
A discussão continuou, por isso chamei meu patrão e relatei-lhe toda a cena. Edgar Linton expulsou Heathcliff da propriedade e avisou Isabella de que ele não seria mais seu irmão, caso ela se casasse com um homem tão detestável. Cathy se trancou no quarto. Ficou em jejum durante três dias. Passava horas
delirando, olhando pela janela e imaginando que estava no Morro dos Ventos Uivantes. Depois falava com Heathcliff como se ele estivesse ali.
— Afastaram-me de você, meu querido. Afastaram-me de tudo o que eu mais amava — dizia, imaginando-o à sua frente.
Preocupado, meu patrão mandou que eu chamasse um médico.
— Não quero perdê-la, Ellen — disse ele. — Eu a amo muito.
Tive pena dele, pois sabia que Edgar Linton era um bom homem. Quando saí atrás do doutor, levei um susto. O cachorrinho de Isabella estava pendurado pelo pescoço em uma árvore, quase morto. Soltei-o imediatamente, imaginando quem teria feito tamanha ATROCIDADE. Na volta, trouxe o médico, que disse que Cathy ficaria bem. Precisava apenas de sossego e descanso, além de uma alimentação reforçada. No mesmo dia soubemos que Isabella havia fugido com Heathcliff.
— Vamos buscá-la! — implorei.
— Ela foi porque quis. A partir de hoje, não é mais minha irmã — falou meu patrão.
Dois meses depois, recebi uma carta de Isabella. Vou lê-la, pois ainda a tenho aqui comigo. Dizia o seguinte:
Querida Ellen,
Estou profundamente arrependida de tudo o que fiz. Mais do que isso, estou desesperada. Heathcliff é um animal, mais feroz e violento do que um tigre faminto ou uma cobra venenosa. Ele ficou sabendo que Catherine está doente e disse que é tudo culpa de meu irmão, por isso vai se vingar em mim. Não tenho
coragem de repetir as barbaridades que ele me fala. Joseph e Hareton me ignoram e Hindley tem ódio de Heathcliff. Disse que um dia irá matá-lo e que todo o dinheiro que um dia foi dele voltará às suas mãos. Venha me visitar, Ellen, por favor!
Isabella
Fui até o Morro dos Ventos Uivantes e encontrei uma cena deprimente. A casa estava suja, empoeirada e Isabella parecia muito abatida. O único que não tinha o aspecto deplorável era Heathcliff, que rabiscava alguma coisa sobre a mesa. Hareton não demonstrou alegria em me ver. Havia se tornado um garoto agressivo e grosseiro, o que me deixou muito triste. Quando entrei, Heathcliff disse:
* ATROCIDADE: maldade, crueldade.
— Nelly, vejo que veio nos visitar. Trouxe notícias de Edgar Linton para Isabella? - perguntou, em um tom IRÔNICO.
— Meu patrão não quer mais ver nenhum de vocês dois — respondi, para o desespero ainda maior de Isabella.
— O que é que aquele infeliz faz o dia todo? — perguntou Heatchcliff.
— Está muito ocupado cuidando da saúde de Catherine. É seu dever de marido.
— Dever? É por isso que ele cuida dela? Não é à toa que Catherine sofre tanto. Nelly, quero que entregue esta carta que estou escrevendo a Cathy — disse ele.
— Cathy o esqueceu.
— Isso é impossível, Nelly, e você sabe disso.
— Cathy e meu irmão são muito ligados um ao outro — disse Isabella.
— E ele também a ama, não é? Tanto que a colocou de lado em um estalar de dedos — disse Heathcliff a Isabella.
— Ele não sabe que estou sofrendo — disse ela, choramingando.
— Sofre porque quer. Você veio atrás de mim porque estava iludida e não por amor. A primeira coisa que fiz quando saímos da Granja dos Tordos foi enforcar seu cachorro. Mesmo assim você, veio comigo. Você sabia como eu era e quis me acompanhar mesmo assim, agora não reclame!
Depois, pegou-a pelo braço e arrastou-a para fora da cozinha com brutalidade. Fiquei horrorizada com a cena. Temendo que Heathcliff também se voltasse contra mim, aceitei levar a carta a Cathy, embora não quisesse, de modo algum, trair a confiança de meu patrão. Com a minha ajuda, Heathcliff apareceu na Granja dos Tordos dias depois, enquanto Edgar Linton estava no culto. Cathy e ele se abraçaram e se beijaram com tamanho fervor, que pensei estar na presença de seres de outra espécie que não a minha.
Heathcliff teve duas surpresas terríveis, no entanto. A primeira era que Cathy estava grávida e a segunda é que ela estava tão abatida que parecia que ia morrer. Ele não suportava olhar para ela, mas ao mesmo tempo a beijava com amor e intensidade.
— Por que você se casou com Edgar, Cathy? Você me amava e traiu seu próprio coração. Não tinha o direito de despedaçar o meu também — disse ele.
— Sou culpada e morrerei por isso, meu amor, mas você também me deixou e eu o perdôo. Por favor, perdoe-me também — implorou Cathy, soluçando.
* IRÔNICO: sarcástico, com ar de gozação e zombaria.
— Eu a perdôo, Cathy querida, mas jamais perdoarei seu assassino — disse ele, referindo-se a Edgar Linton.
Em seguida, os dois se abraçaram com tanta força, que achei que Cathy não sairia viva dos braços de Heathcliff. Nessa hora, gritei:
— Fuja, Heathcliff, o sr. Linton está subindo as escadas!
Ele tentou fazê-lo, mas Cathy não o soltou.
—— Não vá, por favor, fique! É a última vez! Edgar não poderá fazer nada — disse ela, deixando Heathcliff desesperado.
Catherine desmaiou nos braços de Heathcliff, no momento em que Edgar entrou, atordoado com a surpresa. A aflição que tomou conta de nós, no entanto, foi maior que a raiva entre eles, o que fez ambos juntarem as forças para fazer Cathy se recuperar. Quando ela voltou a si, não reconheceu nenhum de nós”.

Capítulo 5 - UM HOMEM SEM ALMA

“Naquela noite, nasceu a pequena Catherine, aquela que o senhor conheceu no Morro dos Ventos Uivantes.
Veio ao mundo fraca e pálida, de sete meses. A mãe morreu duas horas depois. Meu patrão chorou muito, mas me pareceu que sua dor maior foi ter visto que a criança era menina. Segundo o testamento de seu pai, o velho Linton, toda a riqueza e os bens da família deveriam ser de Isabella, caso Edgar não tivesse filhos homens.
De manhã cedo, fui até o jardim dar a notícia a Heathcliff, que passara a noite entre os arbustos, prestando atenção nos movimentos de dentro da casa. Assim que me viu, abatido e molhado de orvalho, perguntou:
— Ela morreu, não é, Nelly?
— Sim, Heathcliff, morreu em silêncio, dormindo. Espero que possa despertar tão serena no outro mundo quanto partiu deste.
— Pois eu desejo que ela desperte atormentada! — gritou ele com todas as forças, fazendo meus ossos regelarem. — Você não terá descanso enquanto eu for vivo, Catherine Earnshaw! Quero que faça qualquer coisa, menos descansar. Persiga-me, enlouqueça-me, acompanhe-me como quiser, mas não me deixe aqui
nesse CAOS, sem poder encontrá-la! Ah, Deus! Como irei viver sem minha alma, sem a mulher que era a minha própria vida?
* CAOS: confusão, abismo, desordem.
Chorei muito por ele e por Catherine, mas percebi que não podia fazer nada para consolá-lo. Fiz a única coisa que estava ao meu alcance: quando meu patrão foi se deitar, deixei Heathcliff entrar em casa para VELAR o corpo de Catherine antes do enterro. Vi quando ele afastou o pano que cobria seu rosto, abriu o
medalhão que ela levava no pescoço e substituiu um pequeno anel de fios de cabelos dourados amarrados com uma fita prateada por um cacho de cabelos seus, bem pretos. Antes da manhã seguinte, encontrei o cacho dourado no chão. Entrelacei os dois e fechei-os dentro do medalhão. Hindley foi convidado para o enterro da irmã, mas não apareceu. Isabella e Heathcliff não foram convidados. Para surpresa dos moradores da aldeia, Cathy não foi enterrada no grande jazigo dos Lintons, nem perto da igreja. Ela jaz, até
hoje, em uma pequena colina de um lado do cemitério. Edgar Linton hoje também está sepultado lá. O mato tomou conta de tudo e os túmulos são indicados apenas por duas pedras, uma ao lado da outra.
Após a morte de Catherine, muita coisa triste aconteceu. Heathcliff ficou ainda mais furioso e violento com Isabella, tanto que ela fugiu para um local escondido, no sul de Londres, onde pouco depois teve um filho. Heathcliff ameaçou pegar o menino, mas isso só aconteceu treze anos depois, quando Isabella morreu. Hindley também terminou seu triste tempo na Terra, deixando o Morro dos Ventos Uivantes HIPOTECADO, com Heathcliff como seu CREDOR, o que o tornou dono da propriedade. O sr. Edgar Linton quis tomar conta de Hareton, para que ele crescesse junto da pequena Catherine, mas Heathcliff ameaçou ir atrás do filho de Isabella. Assim, Hareton, que deveria ser o verdadeiro herdeiro do Morro dos Ventos Uivantes, ficou dependente do pior inimigo de seu falecido pai. Doze anos se passaram em paz. A pequena Cathy cresceu feliz e protegida. Era linda, com os olhos negros dos Earnshaws e os belos cabelos loiros dos Lintons. Tinha o temperamento agitado da mãe, mas era meiga e sensível. O sr. Linton nunca
lhe falou sobre o Morro dos Ventos Uivantes nem sobre Heathcliff. Ela só podia circular dentro da Granja dos Tordos e pedia sempre ao pai que a levasse para conhecer lugares fora dali. Ouvira falar de um penhasco próximo, que lhe provocava grande curiosidade, mas Edgar Linton sempre adiava o passeio.
Certo dia, Edgar Linton recebeu uma carta de Isabella dizendo que estava muito doente. Ela pedia que o irmão cuidasse do sobrinho, o pequeno Linton.
* VELAR: passar a noite guardando o corpo de uma pessoa morta.
* HIPOTECADO: colocado a casa como garantia de uma dívida.
* CREDOR: pessoa a quem se deve dinheiro.
Meu patrão partiu na mesma hora, confiando-me a guarda de Catherine. A boa menina era comportada. Sempre tinha aulas pela manhã e saía para passear a cavalo à tarde. Quando voltava, contava-me sobre suas aventuras reais ou imaginárias. Uma tarde, porém, Catherine não voltou para casa. Saí desesperada à sua procura. Caminhei várias milhas e acabei chegando ao Morro dos Ventos Uivantes. Foi então que vi um dos cachorros que acompanhava Catherine com a orelha machucada vindo na minha direção. Zillah, a única criada da casa, abriu a porta ao me ver.
— Entre. Você veio atrás da menina?
— Ela está aí dentro? — perguntei, com receio.
— Sim, mas não se preocupe, Joseph e o patrão estão fora.
Encontrei-a balançando-se em uma cadeira que foi de sua mãe, conversando animadamente com Hareton, que havia se tornado um belo rapaz, na época com dezoito anos.
— Vamos embora! — ordenei, assim que a vi.
— Por que está brava, Nelly? O que fiz de mal? — perguntou.
— Se você soubesse de quem é esta casa, partiria comigo agora. — Isso aguçou sua curiosidade.
— A casa é de seu pai, não é? — perguntou ela a Hareton.
— Não — respondeu ele, sem graça.
— É de seu patrão?
Hareton ficou ainda mais envergonhado e disse:
— Vá para o inferno!
Atônita, pois a delicada menina só estava acostumada a ser chamada por nomes suaves como querida, amor, anjinho, Catherine pegou seu chapéu e me acompanhou. Antes de ir, porém, ela insistiu para que explicássemos de quem era a casa. Zillah acabou falando que Hareton era seu primo.
— Meu primo? — perguntou, desconfiada. — Isso é verdade, Nelly?
— Sim — confessei.
Hareton ofereceu-lhe um cãozinho para se desculpar, mas ela recusou e nós fomos embora. No caminho, ela me contou o que acontecera:
— Eu estava passeando e vim parar nessa casa bem na hora em que Hareton saía com seus cães. Um deles atacou aquele meu, que está com a orelha ferida. Conseguimos apartá-los e Hareton se ofereceu para me levar a conhecer os lugares que eu queria conhecer.
— Você foi até o penhasco com Hareton?
— Sim, e também ao pântano.
— Só lhe peço uma coisa, Catherine, não diga nada a seu pai sobre o dia
de hoje. Ele poderia me demitir, se soubesse.
Dias depois, o sr. Linton chegou trazendo seu sobrinho, pois Isabella havia falecido. Cathy estava muito animada por ter um “primo de verdade” para brincar, como ela frisava, mas o menino era frágil e de saúde delicada. Quase não conseguia ficar de pé e chorava pela morte da mãe várias vezes ao dia. Para completar, dois dias depois de sua chegada, Joseph apareceu na Granja dos Tordos tarde da noite.
— Meu patrão me mandou buscar seu filho — disse ele ao sr. Linton.
— Era da vontade de minha irmã que eu cuidasse do pequeno Linton respondeu ele.
— Meu patrão não quer saber do senhor nem de sua irmã morta. Ele só quer o filho. É seu direito.
— O menino está adoentado e triste pela morte da mãe. Não sobreviverá naquele ambiente terrível em que vocês moram.
— Isso é problema nosso — respondeu Joseph, cheio de arrogância.
— Pois diga a seu patrão que seu filho está dormindo. Ele irá amanhã — disse, empurrando Joseph para fora da casa.
Fui encarregada de levar o pequeno Linton até o Morro dos Ventos Uivantes. Ele estava assustado e não queria ir, mas disse-lhe que seu pai o aguardava.
— Meu pai? Eu não sabia que tinha um pai — disse, admirado.
Curioso, ele acabou indo, mas, quando viu Heathcliff, teve medo daquele homem rude, moreno, de cabelos longos e negros, nada parecido com ele.
— Meu Deus! Isso é muito pior do que eu pensava! — exclamou Heathcliff, às gargalhadas. — Esta criatura parece ter sido criada à base de leite azedo disse, em referência ao tom pálido da pele do menino.
— Você irá tratá-lo bem, não é, Heathcliff? — perguntei.
— É claro, querida Nelly — disse, com tom de ironia. — Vou prepará-lo para ser dono da Granja dos Tordos, que é sua por direito. Ele é meu filho e terei a alegria de ver um descendente meu tomar posse das terras deles!
Pensei que talvez a GANÂNCIA e o desejo de vingança de Heathcliff pudessem beneficiar o pequeno Linton, que seria educado por um professor já contratado e que talvez ele pudesse gozar de algum carinho do pai, se Heathcliff se CONDOESSE de seu estado frágil, mas tive muita pena quando me afastei da casa
ouvindo os gritos do menino dizendo: “Não me deixe aqui! Quero ir com você!”. O tempo passou e Catherine fez dezesseis anos. No dia de seu aniversário, fomos fazer uma caminhada e encontramos, por acaso, Heathcliff e Hareton no alto de uma colina entre as duas propriedades.
* GANÂNCIA: ambição exagerada
* CONDOESSE: tivesse compaixão, pena
 Eu quis ir embora, mas Catherine já cumprimentava os dois e aceitava o convite de Heathcliff para uma xícara de chá. Fomos até o Morro dos Ventos Uivantes e encontramos um rapaz sentado à mesa da cozinha.
— Reconhece-o? — perguntou Heathcliff a Cathy.
— Linton, é você? — perguntou Cathy, incrédula, pois o primo estava crescido e mais corado do que quando o conhecera.
Os dois se cumprimentaram com afeto e Heathcliff sugeriu que ele a levasse para um passeio no jardim, enquanto a criada preparava o chá.
— Ela deve estar cansada. Talvez prefira ficar aqui — disse o rapaz, sem ânimo para sair de casa.
Nessa hora, Hareton entrou, de banho tomado e cabelos molhados. Cathy perguntou ao tio se Hareton era mesmo seu primo. Ele confirmou o parentesco.
— Se somos parentes, por que não nos visitamos?
Heathcliff explicou rapidamente por que as duas famílias não se davam e sugeriu que Hareton levasse Cathy para o jardim. Os dois saíram e Linton foi atrás, arrependido. Nessa hora, Heathcliff confessou-me:
— Quero que Catherine e Linton se casem.
— Por quê? — perguntei.
— Catherine poderá se beneficiar, já que não tem herança. A Granja dos Tordos é de Linton.
— Se Linton morrer, a propriedade continuará sendo dela — argumentei.
— Não será. Se Linton morrer, a Granja passará às minhas mãos, já que não há nada que a proteja no testamento.
— Heathcliff, você se tornou um homem diabólico. Não tem amor por seu filho? — perguntei.
— Ele não vale nada. É um rapaz sem graça nem habilidades. Tudo o que sabe, no entanto, foi porque lhe dei um professor e uma boa educação. Já Hareton vale cem vezes mais que Linton. Mas Hindley ficaria orgulhoso de ver como é ignorante. Fiz isso para me vingar. Hareton tem aptidões maravilhosas, mas nunca
as desenvolverá.
— Está me dizendo que nunca deu educação ao jovem? — perguntei, admirada.
— Hareton é analfabeto — disse Heathcliff, satisfeito.
Naquela tarde, Catherine pediu ao pai para começar a freqüentar o Morro dos Ventos Uivantes, tinha o desejo de terminar com a rixa entre as famílias. Mas Edgar Linton não permitiu.
— Heathcliff é ambicioso e perverso, tem uma personalidade demoníaca — explicou à filha.
Cathy não obedeceu ao pai e passou a trocar cartas de amor com Linton quase diariamente. Quando descobri, ameacei contar tudo ao meu patrão. Cathy chorou, mas concordou em parar as correspondências. No dia seguinte, escrevi ao rapaz o seguinte bilhete: “Peça para seu pai parar de escrever cartas a Catherine.
Ela não responderá mais nenhuma”.

Capítulo 6 - ILUSÃO DE AMOR

“No outono, o sr. Linton pegou uma gripe muito forte e precisou ficar o inverno todo dentro de casa se recuperando. Já que o pai não podia mais acompanhar Cathy em suas caminhadas VESPERTINAS, passei a fazê-lo em seu lugar. A menina estava triste e calada, depois de ter sido obrigada a parar de se
corresponder com o primo Linton.
Em uma dessas caminhadas, Cathy resolveu apanhar uma flor em cima do muro da propriedade. Escorregou e caiu do lado de fora da Granja. O portão estava fechado, então disse que ela esperasse um pouco até que eu voltasse com a chave. Nessa hora, ouvi o som de um cavalo e, logo em seguida, a voz de Heathcliff:
— Ora, ora, como vai senhorita Catherine?
— Meu pai não quer que eu converse com o senhor — respondeu ela.
—Pois eu vim aqui avisá-la de que meu filho Linton está doente de amor.
— Como assim?
— Pensa que foi fácil para ele aceitar sua decisão de não lhe escrever mais? Ele está sofrendo. Na verdade, está morrendo. Só você pode salvá-lo.
Consegui abrir a fechadura do portão com uma pedra e disse:
— Heathcliff, vá embora. Não acredite nele, Cathy.
— Eu não sabia que você era espiã, Nelly — ironizou ele.
— Morrendo? — perguntou Cathy, com a voz chorosa.
— Vou estar fora a semana toda. Vá até lá ver se consegue fazer alguma coisa para livrá-lo da morte tão prematura.  — disse Heathcliff, com um sorriso no canto da boca.
* ILUSÃO: engano da mente, que faz a pessoa interpretar as coisas de maneira errada.
* VESPERTINAS: que se referem à tarde.
Puxei Cathy para dentro e bati o portão na cara de Heathcliff, mas não consegui convencer a menina de que ele mentia. No dia seguinte, comovida pelas lágrimas de Cathy, resolvi acompanhá-la até o Morro dos Ventos Uivantes e ver de perto o estado do jovem Linton. Nós o encontramos na sala, perto do fogo,
mais rabugento do que nunca.
— Estou com sede! Alguém coloque mais lenha neste fogo. Tenho frio! — gritava.
Ele reclamou que Cathy nunca o visitava e disse que não gostava de escrever. Preferia que ela o visitasse em vez de mandar cartas. De fato, ele tossia muito, mas, durante o tempo em que ficamos lá, mostrou-se exageradamente enfermo para que Cathy tivesse pena dele. Chegou a jogar-se no chão quando íamos partir,
implorando para que a prima voltasse.
— Eu voltarei, Linton — disse ela.
No caminho de volta, eu falei a Cathy que Linton era um pobre coitado, um boneco nas mãos de Heathcliff. Disse que a amizade entre eles não poderia ser REATADA, mas Cathy pareceu ignorar-me. Depois daquela tarde, fiquei doente por causa do frio e do vento que enfrentamos no trajeto. Cathy cuidou de mim e do pai com ESMERO. O que eu não podia imaginar é que ela fugia todas as noites a cavalo para ir até o Morro dos Ventos Uivantes. Descobri isso três semanas depois, quando já estava melhor e pude sair da cama. Peguei-a entrando em casa pela janela, de madrugada, com os sapatos cheios de neve. Ela confessou que visitava o primo toda noite, mas que o jovem Linton era, na verdade, uma criatura insuportável.
— Ele tem um humor péssimo, Nelly. Hora me trata bem, hora praticamente me empurra para fora de sua casa.
— Então por que vai lá? — perguntei.
— No fundo, tenho pena dele. Ele é assim porque seu pai o despreza. Certa noite me disse que deseja ser bom, mas não sabe, pois sempre conviveu com maus-tratos e violência.
— E Hareton, você tem o visto?
— Hareton é um ignorante. Não sabe nem ler.
* REATADA: continuar com algo que havia sido interrompido.
* ESMERO: muito cuidado.
— Ele é seu primo, Cathy, tanto quanto Linton. Você não deveria falar assim.
— Um dia Hareton expulsou Linton e eu da sala no momento em que eu começava a ler algo para distrair o doente. Joseph ficou gargalhando, dizendo que tinha certeza de que Hareton faria isso algum dia. Linton esbravejou e começou a tossir feito louco. Hareton veio se desculpar comigo, mas eu não quis ouvir. Fugi para casa. O pior é que, no dia seguinte, Linton me acusou de ser eu a responsável pelo comportamento de Hareton.
Cathy ainda me contou que Heathcliff sempre escutava as conversas entre Linton e ela atrás da porta. E também me pediu que não contasse nada a seu pai sobre as escapadas noturnas. Disse que não poderia OMITIR uma coisa tão grave do meu patrão. Ela chorou, mas mesmo assim contei tudo ao sr. Linton. Ele proibiu-a novamente de ir até o Morro dos Ventos Uivantes, mas, diante do choro incessante da filha, permitiu que o sobrinho visitasse a Granja dos Tordos sempre que quisesse.
— Papai, por favor, escreva uma carta convidando Linton a nos visitar pediu.
Mesmo contrariado, o sr. Linton escreveu a Heathcliff, que respondeu dizendo que o filho estava melhor, por isso o encontro entre Cathy e Linton deveria ser ao ar livre, no meio do caminho entre as duas propriedades. Marcaram a data para o início do verão. Enquanto isso, meu patrão acabou por abrir-se comigo.
— Tenho medo de morrer e deixar Cathy sozinha, Ellen. Você precisa cuidar dela para mim — pediu.
— Ainda sou jovem, sr. Linton. Tenho quarenta e cinco anos. Ainda vou viver muito para cuidar de Cathy — tranqüilizei-o.
— Você acha que Cathy ama mesmo o primo? — perguntou-me.
— Acho que está iludida.
— Se ela o ama, não sou contra esse casamento. Seria inclusive uma forma de ela recuperar a propriedade que é de sua família, mas se o pequeno Linton tornou-se uma pessoa desprezível como você diz, Ellen, um mero instrumento nas mãos do pai, penso que isso seria a ruína de minha única filha.
Enquanto isso, o jovem Linton ficava cada vez mais doente, e me impressionava a frieza com que Heathcliff encarava a doença do filho. Jamais chamou um médico para examiná-lo nem ministrou-lhe remédio algum. Parecia se divertir com a desgraça do rapaz.”
* OMITIR: deixar de dizer

Capítulo 7 - UM TRISTE CASAMENTO

“O dia do encontro chegou. O clima estava quente e úmido. Cathy e eu saímos caminhando e só vimos Linton bem perto do Morro dos Ventos Uivantes, não na divisa entre as propriedades, como havia sido combinado. O jovem estava pálido, fraco e tão APÁTICO que comentei:
— Você deveria estar em casa, meu rapaz, não tem condições de passear.
— Estou bem — disse ele, tentando disfarçar.
— Vejo que piorou, Linton. Está magro... — disse Cathy.
— Estou apenas cansado. Além disso, faz muito calor. Preciso me sentar — disse ele.
Resolvemos ficar ali mesmo em vez de passear. Linton deitou-se na RELVA e adormeceu. Quando despertou, meia hora mais tarde, Cathy disse:
— Agora devemos ir, Linton, você precisa voltar para casa.
— Fiquem mais um pouco, por favor! — exclamou ele, aflito.
— Mas você não está bem — argumentou Cathy.
— Por favor, não diga isso a seu pai. Diga-lhe que estou melhor. E se encontrar meu pai, diga-lhe que gosta de minha companhia. Ele ficaria bravo se soubesse que estou MONÓTONO.
Partimos quando avistamos Heathcliff ao longe. Já em casa, não soubemos muito o que dizer ao sr. Linton. Respondemos a sua pergunta vagamente, sem lhe dizer o estado real de saúde do sobrinho. Dias mais tarde, o sr. Linton piorou de saúde e Catherine se manteve fiel ao lado do pai. Somente quando ele melhorou concordou em ir novamente ver o primo Linton. Nós o encontramos deitado na relva como antes, mais abatido do que nunca. Heathcliff apareceu de repente e ordenou que o filho se levantasse.
— Você parece um RÉPTIL, seu inútil! — gritou.
Ameaçamos partir, mas Linton começou a berrar:
— Fiquem, por favor! Acompanhem-me até em casa.
— Meu pai não quer que eu vá até o Morro dos Ventos Uivantes disse Cathy.
— Eu imploro, Cathy! — gritou Linton, desesperado.
* APÁTICO: sem energia.
* RELVA: tipo de erva escassa e rasteira.
* MONÓTONO: chato, enfadonho.
* RÉPTIL: animal que se arrasta pelo chão.
Sem entender nada, deixamos que Linton se apoiasse em nossos braços, uma de cada lado, e o levamos até sua casa. Lá chegando, percebi que tínhamos caído em uma CILADA. Heathcliff fechou a porta à chave e disse que nós só sairíamos dali depois que Cathy e Linton estivessem casados. Cathy implorou para
que Heathcliff a deixasse voltar, pois o pai estava doente e ficaria preocupado. Como resposta, recebeu duas bofetadas no rosto.
— Você não sabe o prazer que tenho em saber que seu pai está preocupado — disse Heathcliff, rindo.
Quando fomos libertadas, dias mais tarde, Cathy já era a sra. Linton Heathcliff. Encontramos o sr. Linton à beira da morte e muito abatido pelo desaparecimento da filha. Cathy ficou ao seu lado até o fim. Recebemos um visita de Joseph dizendo que ela estava autorizada a ficar na Granja dos Tordos até o enterro, depois deveria retornar ao marido no Morro dos Ventos Uivantes. Aproveitei para entregar a Joseph uma cópia do testamento do sr. Linton, reconhecido por uma autoridade.
— Por que está me dando isso? — perguntou Joseph.
— Entregue a seu patrão para que ele saiba que o sr. Linton será enterrado ao lado de sua esposa. Ele não conseguirá separar os dois depois de mortos — respondi.
Na manhã após o enterro, Heathcliff apareceu na Granja dos Tordos. Mandou Cathy ir arrumar suas coisas para partir.
— Deixe-me ir com ela, Heathcliff, como governanta — pedi.
— Não. Todos os criados daqui serão demitidos, mas, se preferir, fique aqui para cuidar de seus futuros patrões. Alugarei a Granja dos Tordos.
Enquanto Cathy se arrumava, segredou-me que havia SUBORNADO o coveiro que sepultara Edgar Linton para enterrá-lo ao lado de Cathy depois que ele morresse.
— Deixe-os em paz, Heathcliff — disse eu.
— É ela que não me deixa em paz há dezoito anos, Nelly. É ela que não me sai do pensamento — disse antes de sair arrastando a pobre Cathy pelo braço.
— Vá visitar-me — gritou Cathy para mim.
— As visitas estão proibidas no Morro dos Ventos Uivantes. Não quero espiões por lá — disse Heathcliff.
Chorei ao ver os dois se afastando. Tentei ir ver Cathy uma vez, mas Josephnão permitiu a minha entrada.
* CILADA: armadilha, emboscada
* SUBORNADO: dado dinheiro para conseguir vantagens
 Zillah me dava notícias de vez em quando. Disse que Linton morreu nos braços de Cathy e que Heathcliff não fez nada para AMENIZAR o sofrimento do filho. Depois disso, Cathy passou a se trancar no quarto e não interagir com ninguém. Hareton tentava se aproximar, mas ela se recusava a ter qualquer contato com ele. Certa noite, ela lia perto da lareira e Hareton acariciou-lhe os belos cabelos cacheados. Em troca, recebeu um safanão. Zillah contou que ela saltou da cadeira e disse:
— Fique longe de mim! Odeio todos vocês! Quando precisei de ajuda, ninguém fez nada. Deixaram-me à mercê das loucuras de Heathcliff. Agora não venham querer ser bonzinhos.
Zillah disse que tem pena dela. Virou uma moça triste e amarga. Quase não fala, a não ser para desafiar Heathcliff, mas quanto mais briga com ele mais castigos recebe.”
E assim terminou a narrativa da sra. Dean. Quanto a mim, melhorei de saúde e tenho a intenção de ir ao Morro dos Ventos Uivantes avisar Heathcliff que vou para Londres. Não quero passar outro inverno aqui.
A sra. Dean me pediu para levar um bilhete a Catherine e assim o fiz no dia seguinte. Quando cheguei, fui recebido por Hareton, que me levou até ela. Encontrei-a cortando legumes. O bilhete arrancou lágrimas de seus olhos. Mesmo eu sendo um estranho para ela, acabou por confessar-me que tinha muitas saudades
da Granja dos Tordos e que se sentia uma prisioneira no Morro dos Ventos Uivantes.
— Não gostaria de responder o bilhete? — perguntei.
— Heathcliff destruiu todos os meus papéis e livros. Não tenho com que escrever.
Hareton saiu da cozinha e voltou com alguns livros. Estendeu-os a Cathy.
— Tome, são seus. Consegui salvar alguns e os levei para o meu quarto disse ele.
— Para que, se você não sabe decifrar as letras? — perguntou Cathy, com raiva.
Hareton os tomou de volta e os atirou no fogo, indignado com a ingratidão da prima. Heathcliff entrou nessa hora. Ao vê-lo, Hareton fugiu para o jardim.
— Por que esse menino tem de se parecer tanto com ela? Quanto mais procuro nele traços do pai, mais eu a vejo estampada em seu rosto. Por Deus, como é difícil encará-lo — disse Heathcliff, observando Hareton se afastar.
* AMENIZAR: abrandar, tornar menos difícil.
Comuniquei a Heathcliff minha partida para Londres, embora eu fosse continuar a pagar o aluguel enquanto o contrato durasse. Deixei o Morro dos Ventos Uivantes com um aperto no peito, impressionado com a DISCÓRDIA e a tristeza que PAIRAVAM por lá.

Capítulo 8 - UM NOVO AMOR

Ano de 1802
Em setembro, retornei à Granja dos Tordos. Eu ainda era inquilino de Heahcliff e pensei em passar alguns dias lá antes de entregar a casa. Quando cheguei, encontrei outra criada cuidando da Granja. Ela me disse que a sra. Dean agora trabalhava no Morro dos Ventos Uivantes. Pedi que preparassem um pequeno jantar e depois me dirigi até lá. INTRIGAVA-ME descobrir por que minha antiga governanta havia se mudado para a casa de meu senhorio. Caminhei com a bela luz da lua iluminando meu caminho. Lá chegando, encontrei o portão aberto. Havia algo de diferente no ar, um cheiro de flores e frutas vindo do pomar. Aproximei-me da janela da sala e vi uma linda jovem de cabelos sedosos e cacheados ensinado lições de um livro a um rapaz forte e robusto, que tentava soletrar algumas palavras. Os dois estavam de costas para
mim, por isso não me viram. Os cabelos loiros dela misturavam-se aos dele, de tom negro, quando se beijavam entre um ensinamento e outro. Fui até a cozinha pelo lado de fora da casa e encontrei a sra. Dean conversando com Joseph. Ele dizia estar apaixonado por ela, e ela ria, sem saber o que dizer. Quando me viu, foi logo abrir a porta.
— Sr. Lockwood! Que prazer em vê-lo — disse ela.
— O que houve por aqui, sra. Dean? Quantas mudanças! — exclamei.
Ela me explicou que Heathcliff morrera de repente, mas antes disso a havia chamado para trabalhar de volta no Morro dos Ventos Uivantes. Disse que não agüentava mais olhar para Catherine. Ela aceitou o convite prontamente e, aos poucos, foi levando para Cathy seus livros que haviam ficado na Granja dos Tordos.
* DISCÓRDIA: desarmonia, desentendimento.
* PAIRAVAM: ameaçavam.
* INTRIGAVA-ME: deixava-me curioso.
Depois ela me contou como foi a aproximação entre Catherine e Hareton.
— Hareton teve um acidente com uma espingarda e passou dias trancado em casa. Depois de brigarem muito a ponto de quase me enlouquecerem, os dois primos começaram a conversar. Um tempo depois já estavam, como o senhor viu, apaixonados. São jovens e estavam muito solitários. Cathy tem sido ótima para
ele, ensinando-o tudo o que sabe. Hareton, em troca, dá-lhe carinho o dia todo. No dia em que se casarem, serei a mulher mais feliz da Inglaterra — disse a sra. Dean.
Ela também me contou que Heathcliff odiava ver os primos se dando bem.
— Não sei se o senhor já reparou, sr. Lockwood, mas Cathy e Hareton têm os mesmos olhos. São os olhos de Catherine Earnshaw — explicou ela. — Pouco antes de morrer, Heathcliff me disse que estava esgotado. Não suportava mais ver Catherine em toda parte, nas paredes, nas nuvens, no chão e, principalmente, nos dois primos.
— Deve ter tido um fim triste — concluí.
— Muito triste, sr. Lockwood. Ele lutou tanto para destruir os Earnshaws e os Lintons e não conseguiu desfrutar dessa ruína. Passava os dias vagando, sem comer nem beber nada. Tudo o que desejava era viver em um mundo que não lhe trouxesse lembranças de Catherine.
— E como foi que morreu? — perguntei.
— Naquele dia, ele tentou conversar comigo como antigamente. Eu lhe disse que tinha medo dele e ele riu. Disse que todos o abandonaram porque o julgavam um demônio, menos Catherine, que o perseguia INCESSANTEMENTE.
Vi quando ele subiu para o quarto e se fechou naquele cubículo dentro do armário onde ele e Catherine costumavam ficar. Horas mais tarde, fui até lá levar-lhe comida e encontrei-o deitado de costas no cubículo, com a janela aberta e todo molhado de chuva. Toquei em seu rosto e percebi que tinha morrido.
— Morreu de amor — disse eu.
— Ou de ódio — sugeriu a sra. Dean.
— Onde ele foi enterrado?
— Ao lado de Catherine e Edgar Linton, como ele queria. Foi um escândalo na cidade. Tive muita pena de não saber seu sobrenome nem sua data de nascimento. Em sua lápide, há apenas o seu nome e a data de sua morte. Depois desse dia, muitas pessoas da região afirmam tê-lo visto vagando pelos pântanos ao lado
de uma mulher. Outros dizem que o viram perto da casa.
* INCESSANTEMENTE: sem parar.
— São superstições — argumentei.
— Devem ser, mas, de qualquer forma, quero voltar logo para a Granja dos Tordos.
— Vocês vão para lá?
— Sim, depois do casamento de Catherine e Hareton, no início do ano.
— E a casa, ficará vazia?
— Joseph permanecerá aqui, onde vive e trabalha há mais de sessenta anos. Um dos empregados também ficará para ajudá-lo a manter a casa.
Vi quando Hareton e Catherine saíram para cavalgar. Pararam alguns instantes em frente ao portão para apreciar a lua, depois se beijaram e olharam com amor um para o outro. Despedi-me da sra. Dean e de Joseph, e segui para a Granja. No dia seguinte, eu iria definitivamente para Londres.
No caminho, passei perto do cemitério para ver as lápides. A de Catherine estava no meio, cheia de mato. De um lado ficava a de Edgar Linton, bastante suja de musgos. De outro, a de Heathcliff, ainda limpa. Fiquei ali um tempo, ouvindo o som do vento e o esvoaçar das borboletas. Depois falei em voz alta:
— Como alguém pode pensar que seja perturbado o sono dos que dormem na terra tranqüila?